Colapso ambiental, ruína democrática e o que ainda pode ser salvo
reflexões de Rita von Hunty na Livre!
Uma aula como diagnóstico do presente
Na abertura do curso Como as democracias morrem – uma análise de discurso, Rita Von Hunty nos ofereceu não uma aula, mas um diagnóstico implacável e comprometido com o pensamento crítico. Partindo do colapso ambiental iminente — que já é realidade para milhões de pessoas —, a aula articulou, com base em dados, filosofia e análise de discurso, como o fim do mundo ecológico é inseparável do fim do mundo democrático. Não se trata mais de uma crise: vivemos o colapso de sistemas que se sustentam na desigualdade, na destruição da vida e na captura da imaginação política.
A estrutura da aula se desenrolou em três blocos. O primeiro, intitulado “Notas iniciais para um diagnóstico”, apresentou o mais recente relatório do instituto V-Dem, que mostra que mais de 70% da população mundial vive hoje sob regimes autocráticos. Rita não poupou ironia ao afirmar que não somos “marxistas descolados da FFLCH”, mas que essa análise é corroborada por milhares de cientistas políticos mundo afora. A democracia, na forma como a conhecemos, está ruindo – inclusive onde ela já foi mais robusta.
Por que a democracia falha?
No segundo bloco, Rita propôs uma reflexão profunda sobre a forma social da democracia, recorrendo a autores como Wendy Brown, Carl Popper, Carl Loewenstein e Marilena Chauí. A democracia liberal, diz ela, não fracassa apenas por sua fragilidade institucional, mas porque ignora as desigualdades materiais sobre as quais se assenta. Sem redistribuição de poder e de riqueza, o direito vira mercadoria, a liberdade vira privilégio, e a igualdade vira ficção. É nesse vácuo que o autoritarismo prolifera – como solução fácil para quem perdeu tudo, menos o medo.
Em um dos momentos mais impactantes da aula, Rita comentou o avanço da extrema direita na Alemanha, com o partido AFD agora classificado oficialmente como neonazista. A eleição não foi um golpe – foi uma conquista de “mentes e corações”, operada pela retórica midiática, pela insatisfação popular e pela erosão do laço social. A democracia, lembrou ela, não sucumbe só pela força: ela morre quando deixa de ser desejada.
O capitalismo tarde demais
Mas por que isso acontece? Porque vivemos, segundo Rita, o capitalismo tarde demais. Uma forma de vida que transformou tudo – o tempo, os afetos, o cuidado, o futuro – em investimento, concorrência e abandono. O colapso ambiental é o retrato mais visível dessa lógica. A estimativa dos cientistas climáticos é clara: o colapso será inevitável entre 2030 e 2040. A destruição das bases materiais da existência já começou — no Sul do Brasil, isso se manifesta em enchentes que submergem cidades inteiras. E, diante desse cenário, o que a extrema direita oferece? Deus, pátria, família — palavras que prometem segurança enquanto negam direitos.
Por isso, pensar democracia hoje exige mais do que saudosismo institucional. Exige imaginar o novo. Como disse Rita, a democracia, tal como a concebemos, talvez nunca tenha existido de fato. Mas ela já foi sonho e desejo coletivo. Ela foi e pode voltar a ser projeto — de igualdade, de redistribuição, de soberania popular.
O curso de maio da Livre Literatura não pretende apenas estudar a morte das democracias. Ele é, acima de tudo, uma convocação: para pensar, resistir, organizar e construir.
📌 Como as democracias morrem – uma análise de discurso
🗓 Quintas – 15, 22, 29 de maio e 05 de junho
👩🏫 Com Débora Tavares e Caio Rubini
⏰ Das 19h30 às 21h30 (aulas ao vivo)
📚 CRONOGRAMA DAS AULAS
🟡 Aula 01 (15/05) – Democracias em risco: história, conceitos e declínio
Vamos discutir as origens e transformações da democracia — de Atenas à Revolução Francesa — e os pilares que sustentam (ou corroem) os regimes democráticos hoje, com base no livro Como as democracias morrem.
🟣 Aula 02 (22/05) – Democracia e crise: as guerras no século XXI
Crise institucional, guerras políticas e o papel das big techs e bilionários na ascensão do novo populismo de direita. Análise dos discursos polarizantes e seus impactos globais.
🔵 Aula 03 (29/05) – A mídia como quarto poder
Vamos estudar como a mídia constrói representações políticas, alimenta guerras culturais e interfere nas democracias contemporâneas — da TV ao TikTok.
🔴 Aula 04 (05/06) – Fracasso político, resistência e alternativas democráticas
Encerramos o curso com uma análise crítica do campo progressista e das possibilidades de resistência ao avanço autoritário — com foco em arte, movimentos sociais e novas formas de organização.